Newsletter Ciências da Vida

Medicamentos, Força probatória dos atestados médicos, Dispositivos médicos, Autonomia nos Centros de Investigação Clínica do SNS e a Inteligência Artificial no setor da Saúde em Portugal, são os temas abordados nesta edição.
Newsletters 02/09/2024

Nesta edição abordamos os seguintes temas:

  1. Dispensa de Medicamentos Hospitalares em Proximidade
  2. Força Probatória do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso
  3. Novas Regras para Dispositivos Médicos
  4. Maior Autonomia dos Centros de Investigação Clínica do SNS
  5. O Uso de Inteligência Artificial no Setor da Saúde em Portugal

Dispensa de Medicamentos Hospitalares em Proximidade

A dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade proporciona um acesso mais facilitado aos medicamentos pelos utentes, sem comprometer a segurança e o acompanhamento próximo por profissionais de saúde.

No primeiro trimestre de 2024, o Governo português concluiu a regulamentação da dispensa de medicamentos e produtos de saúde prescritos para ambulatório hospitalar, no âmbito dos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Este regime, estabelecido pelo Decreto-Lei N.º 138/2023, de 29 de dezembro, e consolidado pelas Portarias N.º 104/2024/1 e N.º 106/2024/1, de 14 de março, revolucionou a distribuição de medicamentos hospitalares ao longo do território português, ao proporcionar um acesso mais facilitado aos medicamentos pelos utentes, sem comprometer a segurança e o acompanhamento próximo por profissionais de saúde.

São potenciais beneficiários deste regime todos os utentes a quem é prescrita medicação de dispensa hospitalar, desde que haja uma avaliação adequada por parte das equipas médicas e o consentimento dos próprios. Com a nova legislação e regulamentação, estes utentes poderão receber os seus medicamentos em locais mais acessíveis, como farmácias comunitárias, eliminando a necessidade de deslocações frequentes aos hospitais. Esta dispensa é particularmente relevante para pessoas com mobilidade reduzida ou que residem em áreas afastadas dos grandes centros urbanos, proporcionando, ainda, uma significativa redução de custos e tempo, evitando faltas ao trabalho e despesas com deslocações.

Vigorando desde o passado dia 15 de maio de 2024, a regulamentação da dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade representa um avanço significativo na humanização dos cuidados de saúde, colocando o utente no centro das decisões ao facilitar o acesso a medicamentos essenciais.

Força Probatória do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso

O atestado médico de incapacidade multiuso é um documento autêntico que faz prova plena dos factos praticados e percecionados pela «junta médica» competente e prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça N.º 8/2024, de 25 de junho, uniformizou jurisprudência no sentido de que o atestado médico de incapacidade multiuso, emitido para pessoas com deficiência de acordo com o Decreto-Lei N.º 202/96, de 21 de outubro, é um documento autêntico, que, de acordo com o artigo 371.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 389.º, do Código Civil, faz prova plena dos factos praticados e percecionados pela «junta médica» (autoridade pública) competente e prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.

O presente recurso para uniformização de jurisprudência procurava esclarecer a natureza jurídica e a força probatória do “atestado médico de incapacidade multiuso”, emitido por uma Administração Regional de Saúde (Instituto Público integrado no Ministério da Saúde). A questão centrava-se em determinar se o “atestado médico de incapacidade multiuso” constitui uma prova assente em documento autêntico, com força probatória plena para todo o seu conteúdo, conforme sustentado no acórdão fundamento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 24 de novembro 2016; ou se, diversamente, o “atestado médico de incapacidade multiuso” constitui uma prova com juízo de carácter pericial, sujeita à livre apreciação do tribunal, conforme sustentado no acórdão recorrido.

Novas Regras para Dispositivos Médicos

O Decreto-Lei N.º 29/2024 assume, como desideratos primários, a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos dispositivos médicos e seus acessórios.

Foi publicado, no passado dia 5 de abril de 2024, o Decreto-Lei N.º 29/2024, que assegura a execução, na ordem jurídica interna, do Regulamento (UE) 2017/745 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2017, relativo aos dispositivos médicos, comumente designado por Regulamento dos Dispositivos Médicos (“RDM”). A entrada em vigor do RDM impulsionou uma reformulação do regime jurídico português atinente aos dispositivos médicos e seus acessórios, harmonizando-o com as disposições consagradas ao nível da União Europeia e, concretamente, com o RDM.

O Decreto-Lei N.º 29/2024 assume, como desideratos primários, a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos dispositivos médicos e seus acessórios. Para cumprir estes desideratos, estabelece, nomeadamente, um conjunto de regras aplicáveis aos operadores económicos e às instituições de saúde que fabricam e utilizam dispositivos nas suas instalações, bem como regras relativas à utilização e rastreabilidade dos dispositivos, à designação e supervisão da atividade dos organismos notificados e à fiscalização e inspeção do mercado.

Para além de regular o fabrico, a distribuição e a utilização de dispositivos médicos e seus acessórios, o Decreto-Lei N.º 29/2024 estabelece a disciplina aplicável aos dispositivos fabricados e utilizados em instituições de saúde, introduzindo regras específicas de rastreabilidade que permitem uma monitorização eficaz dos referidos dispositivos ao longo do seu ciclo de vida.

Em conclusão, a promulgação do Decreto-Lei n.º 29/2024, juntamente com o RDM, representa um avanço significativo na regulamentação dos dispositivos médicos em Portugal. Ao assegurar normas rigorosas de segurança, eficácia e qualidade em todas as fases do ciclo de vida dos dispositivos, desde a conceção até à utilização final, esta regulamentação visa aumentar a segurança dos pacientes e promover a inovação no sector dos dispositivos médicos.

Maior Autonomia dos Centros de Investigação Clínica do SNS

O reforço da capacidade e autonomia dos CIC surge num contexto em que a investigação clínica em Portugal, apesar de possuir um grande potencial, encontra-se aquém das capacidades do sistema de saúde e científico nacional.

Foi publicado, no passado dia 14 de fevereiro de 2024, o Despacho N.º 1739/2024, que determina um conjunto de medidas que dotam os Centros de Investigação Clínica (CIC) que operam no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS) de maior capacidade e autonomia. As mencionadas medidas advêm do reconhecimento da investigação clínica e da inovação biomédica (IC&IB) enquanto pilares fundamentais para o desenvolvimento socioeconómico de um país, com impacto direto na melhoria dos cuidados de saúde e na criação de emprego e de valor económico.

O reforço da capacidade e autonomia dos CIC surge num contexto em que a investigação clínica em Portugal, apesar de possuir um grande potencial, encontra-se aquém das capacidades do sistema de saúde e científico nacional. Com mais de 30 mil milhões de euros investidos anualmente em Investigação e Desenvolvimento (I&D) na Europa, Portugal tem a oportunidade de capturar uma parcela maior deste investimento, aumentando o número de ensaios clínicos realizados em Portugal e, consequentemente, gerando mais valor económico e social.

As unidades de saúde do SNS são incentivadas a adotar modelos organizacionais que ofereçam uma maior autonomia de gestão, como a constituição dos CIC como Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) ou como associações de direito privado sem fins lucrativos. Estas estruturas permitirão uma gestão mais eficiente e flexível, facilitando a colaboração com outras entidades e a atração de recursos. A transformação dos CIC em CRI ou a sua integração em CRI já existentes visa melhorar a eficiência e a capacidade de resposta dos centros, crucial para o desenvolvimento de atividades de IC&IB. Paralelamente, a possibilidade de criar associações de direito privado sem fins lucrativos ampliará as redes de colaboração e financiamento.

O Ministério da Saúde assumirá a incumbência de emitir as orientações necessárias para a implementação destas medidas e, paralelamente, assegurar que os CIC do SNS estejam devidamente preparados para adotar as novas formas organizativas. Desta feita, Portugal tem a oportunidade de se afirmar como um líder na investigação clínica e na inovação em saúde.

 

O Uso de Inteligência Artificial no Setor da Saúde em Portugal

A introdução de Inteligência Artificial (IA) no setor da saúde em Portugal tem vindo a revelar-se uma oportunidade promissora para modernizar e otimizar os cuidados prestados aos pacientes.

A introdução de Inteligência Artificial (IA) no setor da saúde em Portugal tem vindo a revelar-se uma oportunidade promissora para modernizar e otimizar os cuidados prestados aos pacientes, constituindo, paralelamente, uma resposta inovadora aos desafios contemporâneos, como a sobrecarga dos profissionais de saúde e a crescente demanda por diagnósticos mais rápidos e precisos.

Um exemplo significativo desta transformação tecnológica é a linha de financiamento lançada pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) para a implementação de ferramentas de IA nos diagnósticos dermatológicos. Com esta iniciativa, os pacientes poderão utilizar uma aplicação que, ao fotografar a sua condição de pele e analisá-la através de algoritmos de IA capazes de identificar patologias dermatológicas, permite que casos suspeitos sejam priorizados e encaminhados rapidamente para um dermatologista. Esta abordagem permite acelerar o processo de diagnóstico e a precisão do mesmo, assegurando que os pacientes recebem o tratamento adequado em tempo oportuno.

De acordo com Fernando Araújo, Diretor Executivo do SNS, esta iniciativa sublinha o compromisso do SNS em recorrer a tecnologias inovadoras para melhorar o acesso, a eficiência e a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal. Já Tomás Costa, Médico Dermatologista do SNS, ressalta que este projeto representa um passo significativo em direção à modernização do SNS, com um foco especial nas lesões dermatológicas de maior risco e prevalência, como o cancro de pele. Desta feita, a integração de IA na prática clínica permitirá, não apenas rentabilizar o tempo dos dermatologistas, mas também qualificar a resposta aos casos mais críticos, reforçando a visão do SNS enquanto um sistema de saúde inovador e tecnologicamente avançado.

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Áreas de pratica

  • Direito da Saúde

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