Nesta edição abordamos os seguintes temas:
- Dispensa de Medicamentos Hospitalares em Proximidade
- Força Probatória do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso
- Novas Regras para Dispositivos Médicos
- Maior Autonomia dos Centros de Investigação Clínica do SNS
- O Uso de Inteligência Artificial no Setor da Saúde em Portugal
Dispensa de Medicamentos Hospitalares em Proximidade
A dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade proporciona um acesso mais facilitado aos medicamentos pelos utentes, sem comprometer a segurança e o acompanhamento próximo por profissionais de saúde.
No primeiro trimestre de 2024, o Governo português concluiu a regulamentação da dispensa de medicamentos e produtos de saúde prescritos para ambulatório hospitalar, no âmbito dos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Este regime, estabelecido pelo Decreto-Lei N.º 138/2023, de 29 de dezembro, e consolidado pelas Portarias N.º 104/2024/1 e N.º 106/2024/1, de 14 de março, revolucionou a distribuição de medicamentos hospitalares ao longo do território português, ao proporcionar um acesso mais facilitado aos medicamentos pelos utentes, sem comprometer a segurança e o acompanhamento próximo por profissionais de saúde.
São potenciais beneficiários deste regime todos os utentes a quem é prescrita medicação de dispensa hospitalar, desde que haja uma avaliação adequada por parte das equipas médicas e o consentimento dos próprios. Com a nova legislação e regulamentação, estes utentes poderão receber os seus medicamentos em locais mais acessíveis, como farmácias comunitárias, eliminando a necessidade de deslocações frequentes aos hospitais. Esta dispensa é particularmente relevante para pessoas com mobilidade reduzida ou que residem em áreas afastadas dos grandes centros urbanos, proporcionando, ainda, uma significativa redução de custos e tempo, evitando faltas ao trabalho e despesas com deslocações.
Vigorando desde o passado dia 15 de maio de 2024, a regulamentação da dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade representa um avanço significativo na humanização dos cuidados de saúde, colocando o utente no centro das decisões ao facilitar o acesso a medicamentos essenciais.
Força Probatória do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso
O atestado médico de incapacidade multiuso é um documento autêntico que faz prova plena dos factos praticados e percecionados pela «junta médica» competente e prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça N.º 8/2024, de 25 de junho, uniformizou jurisprudência no sentido de que o atestado médico de incapacidade multiuso, emitido para pessoas com deficiência de acordo com o Decreto-Lei N.º 202/96, de 21 de outubro, é um documento autêntico, que, de acordo com o artigo 371.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 389.º, do Código Civil, faz prova plena dos factos praticados e percecionados pela «junta médica» (autoridade pública) competente e prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.
O presente recurso para uniformização de jurisprudência procurava esclarecer a natureza jurídica e a força probatória do “atestado médico de incapacidade multiuso”, emitido por uma Administração Regional de Saúde (Instituto Público integrado no Ministério da Saúde). A questão centrava-se em determinar se o “atestado médico de incapacidade multiuso” constitui uma prova assente em documento autêntico, com força probatória plena para todo o seu conteúdo, conforme sustentado no acórdão fundamento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 24 de novembro 2016; ou se, diversamente, o “atestado médico de incapacidade multiuso” constitui uma prova com juízo de carácter pericial, sujeita à livre apreciação do tribunal, conforme sustentado no acórdão recorrido.
Novas Regras para Dispositivos Médicos
O Decreto-Lei N.º 29/2024 assume, como desideratos primários, a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos dispositivos médicos e seus acessórios.
Foi publicado, no passado dia 5 de abril de 2024, o Decreto-Lei N.º 29/2024, que assegura a execução, na ordem jurídica interna, do Regulamento (UE) 2017/745 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2017, relativo aos dispositivos médicos, comumente designado por Regulamento dos Dispositivos Médicos (“RDM”). A entrada em vigor do RDM impulsionou uma reformulação do regime jurídico português atinente aos dispositivos médicos e seus acessórios, harmonizando-o com as disposições consagradas ao nível da União Europeia e, concretamente, com o RDM.
O Decreto-Lei N.º 29/2024 assume, como desideratos primários, a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos dispositivos médicos e seus acessórios. Para cumprir estes desideratos, estabelece, nomeadamente, um conjunto de regras aplicáveis aos operadores económicos e às instituições de saúde que fabricam e utilizam dispositivos nas suas instalações, bem como regras relativas à utilização e rastreabilidade dos dispositivos, à designação e supervisão da atividade dos organismos notificados e à fiscalização e inspeção do mercado.
Para além de regular o fabrico, a distribuição e a utilização de dispositivos médicos e seus acessórios, o Decreto-Lei N.º 29/2024 estabelece a disciplina aplicável aos dispositivos fabricados e utilizados em instituições de saúde, introduzindo regras específicas de rastreabilidade que permitem uma monitorização eficaz dos referidos dispositivos ao longo do seu ciclo de vida.
Em conclusão, a promulgação do Decreto-Lei n.º 29/2024, juntamente com o RDM, representa um avanço significativo na regulamentação dos dispositivos médicos em Portugal. Ao assegurar normas rigorosas de segurança, eficácia e qualidade em todas as fases do ciclo de vida dos dispositivos, desde a conceção até à utilização final, esta regulamentação visa aumentar a segurança dos pacientes e promover a inovação no sector dos dispositivos médicos.
Maior Autonomia dos Centros de Investigação Clínica do SNS
O reforço da capacidade e autonomia dos CIC surge num contexto em que a investigação clínica em Portugal, apesar de possuir um grande potencial, encontra-se aquém das capacidades do sistema de saúde e científico nacional.
Foi publicado, no passado dia 14 de fevereiro de 2024, o Despacho N.º 1739/2024, que determina um conjunto de medidas que dotam os Centros de Investigação Clínica (CIC) que operam no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS) de maior capacidade e autonomia. As mencionadas medidas advêm do reconhecimento da investigação clínica e da inovação biomédica (IC&IB) enquanto pilares fundamentais para o desenvolvimento socioeconómico de um país, com impacto direto na melhoria dos cuidados de saúde e na criação de emprego e de valor económico.
O reforço da capacidade e autonomia dos CIC surge num contexto em que a investigação clínica em Portugal, apesar de possuir um grande potencial, encontra-se aquém das capacidades do sistema de saúde e científico nacional. Com mais de 30 mil milhões de euros investidos anualmente em Investigação e Desenvolvimento (I&D) na Europa, Portugal tem a oportunidade de capturar uma parcela maior deste investimento, aumentando o número de ensaios clínicos realizados em Portugal e, consequentemente, gerando mais valor económico e social.
As unidades de saúde do SNS são incentivadas a adotar modelos organizacionais que ofereçam uma maior autonomia de gestão, como a constituição dos CIC como Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) ou como associações de direito privado sem fins lucrativos. Estas estruturas permitirão uma gestão mais eficiente e flexível, facilitando a colaboração com outras entidades e a atração de recursos. A transformação dos CIC em CRI ou a sua integração em CRI já existentes visa melhorar a eficiência e a capacidade de resposta dos centros, crucial para o desenvolvimento de atividades de IC&IB. Paralelamente, a possibilidade de criar associações de direito privado sem fins lucrativos ampliará as redes de colaboração e financiamento.
O Ministério da Saúde assumirá a incumbência de emitir as orientações necessárias para a implementação destas medidas e, paralelamente, assegurar que os CIC do SNS estejam devidamente preparados para adotar as novas formas organizativas. Desta feita, Portugal tem a oportunidade de se afirmar como um líder na investigação clínica e na inovação em saúde.
O Uso de Inteligência Artificial no Setor da Saúde em Portugal
A introdução de Inteligência Artificial (IA) no setor da saúde em Portugal tem vindo a revelar-se uma oportunidade promissora para modernizar e otimizar os cuidados prestados aos pacientes.
A introdução de Inteligência Artificial (IA) no setor da saúde em Portugal tem vindo a revelar-se uma oportunidade promissora para modernizar e otimizar os cuidados prestados aos pacientes, constituindo, paralelamente, uma resposta inovadora aos desafios contemporâneos, como a sobrecarga dos profissionais de saúde e a crescente demanda por diagnósticos mais rápidos e precisos.
Um exemplo significativo desta transformação tecnológica é a linha de financiamento lançada pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) para a implementação de ferramentas de IA nos diagnósticos dermatológicos. Com esta iniciativa, os pacientes poderão utilizar uma aplicação que, ao fotografar a sua condição de pele e analisá-la através de algoritmos de IA capazes de identificar patologias dermatológicas, permite que casos suspeitos sejam priorizados e encaminhados rapidamente para um dermatologista. Esta abordagem permite acelerar o processo de diagnóstico e a precisão do mesmo, assegurando que os pacientes recebem o tratamento adequado em tempo oportuno.
De acordo com Fernando Araújo, Diretor Executivo do SNS, esta iniciativa sublinha o compromisso do SNS em recorrer a tecnologias inovadoras para melhorar o acesso, a eficiência e a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal. Já Tomás Costa, Médico Dermatologista do SNS, ressalta que este projeto representa um passo significativo em direção à modernização do SNS, com um foco especial nas lesões dermatológicas de maior risco e prevalência, como o cancro de pele. Desta feita, a integração de IA na prática clínica permitirá, não apenas rentabilizar o tempo dos dermatologistas, mas também qualificar a resposta aos casos mais críticos, reforçando a visão do SNS enquanto um sistema de saúde inovador e tecnologicamente avançado.