Artigo de opinião de Ana Castro Gonçalves na revista Exame

Devolver propinas ou premiar salários? Neste momento sabe-se o “quem” – jovens até aos 35 anos, o “quanto” – 697 euros por ano de licenciatura e 1500 euros por ano de mestrado, mas fica por determinar o “quando” e o “como”.
Notícias 23/01/2024

No início de setembro de 2023, o primeiro-ministro António Costa anunciou que por cada ano de trabalho em Portugal, o Governo devolveria o valor de um ano de propinas pagas numa universidade pública. Foi necessário esperar quase quatro meses para que, a 28 de dezembro, fosse publicado o Decreto-Lei n.º 134/2023 a aprovar a anunciada “devolução de propinas”, a que chamou prémio salarial de valorização das qualificações no mercado de trabalho.

A mudança de designação não é descabida, já que fica claro que não se trata, afinal, de uma devolução de propinas, mas sim da atribuição de uma quantia/prémio a qualquer jovem licenciado ou mestre (ou equivalente estrangeiro), que inicie a sua atividade profissional em Portugal e que reúna as demais condições, não sendo a frequência de instituição de ensino superior em Portugal (e consequente pagamento de propinas) uma delas.

Sucede que o Decreto-Lei remete para uma – futura – portaria do Ministério das Finanças que irá definir o “âmbito, procedimentos e demais condições específicas de operacionalização que se revelem necessárias ao apuramento, atribuição e pagamento do presente apoio”. Ou seja, neste momento sabe-se o “quem” – jovens até aos 35 anos, residentes fiscais em Portugal, titulares de grau académico de licenciado ou mestre, que tenham auferido rendimentos da categoria A ou B do IRS e tenham a situação tributária e contributiva regularizada – e o “quanto” – 697 euros por ano de licenciatura e 1500 euros por ano de mestrado –. Fica, contudo, por determinar o “quando”, ainda para mais com eleições à porta, e o “como”, deveras importante, porque apenas se sabe que o pagamento será realizado por transferência bancária para o IBAN do beneficiário. E sabe-se também que a atribuição do prémio não será automática, devendo ser requerida em formulário eletrónico, ainda não disponível.

Outra questão importante, que gera dúvidas e um possível sentimento de injustiça, prende-se com o prémio salarial: este foi aprovado para jovens cujo grau de licenciado ou mestre date de 2023 ou anos seguintes, tendo-se previsto um regime transitório estendendo a aplicação do diploma aos graduados antes de 2023, desde que a duração do ciclo de estudos relevante ainda não tenha passado. Ou seja, no caso de uma licenciatura de três anos, um jovem que tenha terminado o curso em 2019 já não poderá receber o prémio, ainda que reúna as restantes condições de atribuição. Porém, o mesmo jovem, se licenciado em 2023, ainda que não reúna todas as condições, por ex. por não ter iniciado uma atividade profissional remunerada, parece – e destaco o “parece” – poder beneficiar do prémio três vezes, em anos consecutivos ou interpolados, desde que, algures no futuro – quando reunir as condições necessárias – o requeira. Diferente, para não dizer estranho, não é?

Compreende-se que tenha de ser previsto um limite para que não surja, a todo o tempo, um licenciado do século passado a requerer a atribuição do prémio, mas não seria a condição etária – até aos 35 anos – suficiente para o acautelar? Ou, como a atribuição do prémio não é automática, porque não estipular um prazo limite para os licenciados pré-2023 o virem requerer, salvaguardando a possibilidade de todos os jovens, que reúnam as condições, virem a beneficiar em pleno da medida, independentemente da data da sua graduação? Acreditemos, pois, que a portaria vai dissipar todas as nossas dúvidas. O prémio salarial, as qualificações, o mercado de trabalho e, sobretudo, os jovens, agradecem.

Artigo de Ana Castro Gonçalves, Advogado e Sócia do Departamento de Fiscal, na revista EXAME.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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