Limites da Penhora de Bens no Processo Executivo

O "Contencioso em Foco" é uma rubrica Caiado Guerreiro, que conta com a participação da partner Sandra Jesus e as advogadas Carolina Rodrigues Pinheiro e Micaela Ribeiro Roque, onde são esclarecidas dúvidas e questões desta área do direito.
Artigos 24/04/2025

No ordenamento jurídico português, o processo executivo visa assegurar a realização coativa dos direitos do credor, quando o devedor não cumpre voluntariamente uma obrigação. A penhora constitui, neste contexto, um dos mecanismos fundamentais para garantir a satisfação do crédito. Contudo, o legislador impõe limites à penhora, por forma a proteger o executado contra uma execução que comprometa a sua dignidade humana e a sua subsistência.

 

Nos termos do artigo 735.º do Código de Processo Civil (CPC), a penhora recai, em primeiro lugar, sobre bens que se presumam de mais fácil e rápida conversão em dinheiro, salvaguardando-se, contudo, os bens legalmente impenhoráveis. Os critérios de adequação e proporcionalidade também orientam a atuação do agente de execução, nos termos dos artigos 735.º a 738.º do CPC.

 

A lei processual civil enumera os bens absolutamente impenhoráveis, ou seja, aqueles cuja penhora é legalmente vedada em qualquer circunstância. Exemplos incluem:

  • Coisas ou direitos inalienáveis;
  • Bens cujo valor de mercado seja insignificante;
  • Objetos indispensáveis à vida quotidiana do executado e do seu agregado familiar, como roupas, camas, eletrodomésticos básicos, etc.;
  • Instrumentos de trabalho e bens essenciais ao exercício da profissão ou formação do executado, quando este não tenha outros rendimentos;
  • Prestação social de natureza alimentar, como pensões sociais, RSI, subsídios de desemprego, etc., conforme previsto também em legislação complementar (ex.: Código da Segurança Social).

 

Estes bens gozam de proteção total, refletindo os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção social.

 

Em acrescento ao catálogo dos bens absolutamente impenhoráveis, a lei define também aqueles que se classificam como bens parcialmente penhoráveis, cuja apreensão é possível, mas sujeita a limites, especialmente no que diz respeito a rendimentos. Em destaque:

  • Vencimentos, salários, pensões ou prestações equivalentes: são penhoráveis apenas na parte que exceda o montante equivalente ao salário mínimo nacional (em 2025, €870). A parte penhorável é geralmente até 1/3 do valor restante, salvo se o devedor tiver encargos familiares, caso em que se pode aplicar regime mais favorável;
  • Contas bancárias: a penhora só pode afetar saldos superiores ao montante impenhorável previsto no número 1 do artigo 738.º;
  • Rendas ou outros créditos periódicos: aplicam-se os mesmos critérios de proporcionalidade e salvaguarda do mínimo de subsistência.

 

O objetivo destas limitações legais é garantir que o executado possa manter uma vida digna, mesmo no contexto de um processo coercivo.

 

A existência de bens impenhoráveis e dos limites à penhora insere-se num quadro de justiça social e de equilíbrio entre os direitos do credor e os direitos fundamentais do devedor. Estes limites estão em sintonia com princípios constitucionais, nomeadamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, direito à segurança social e o princípio da proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais, todos previstos na Constituição da República Portuguesa.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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