Quando é que uma empresa estrangeira tem de pagar impostos em Portugal?

O “Olhar Fiscal” é uma rubrica da Caiado Guerreiro, da sócia Ana Castro Gonçalves e da advogada Laura Gaudêncio Borges, que esclarece questões de Direito Fiscal e Segurança Social. O tema desta semana é em que circunstâncias tem uma empresa estrangeira de pagar impostos em Portugal.
Artigos 24/10/2025

Quando uma empresa estrangeira desenvolve atividade esporádica em Portugal, surgem várias questões fiscais: será tributada em Portugal? Que obrigações decorrem? O conceito de “atividade esporádica” não tem uma definição legal única e universal, mas, na prática, assenta em que a empresa não tenha em Portugal um estabelecimento estável permanente nem desenvolva ali uma atividade regular comparável à de uma empresa residente. É precisamente esse tipo de situação que exige atenção ao enquadramento fiscal em Portugal.

Residência fiscal e estabelecimento estável

Em primeiro lugar, é importante distinguir entre duas situações principais:

  • Uma empresa estrangeira, que não tenha estabelecimento estável em Portugal.
  • Uma empresa estrangeira, que tenha ou acabe por ser considerada como tendo um estabelecimento estável em Portugal.

Nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), uma entidade não residente sem est­abelecimento estável está sujeita a IRC apenas relativamente aos rendimentos obtidos em território português. Se, contudo, existe estabelecimento estável, essa parte da atividade imputável ao território português ficará sujeita a tributação em Portugal.

Logo, no caso de atividade esporádica — ou seja: não contínua, sem instalações permanentes, sem recursos fixos — poderá, ou não, não haver estabelecimento estável e, consequentemente, a carga obrigacional (e tributária) em Portugal é variável.

Sujeição a imposto em Portugal

Para uma empresa estrangeira que não tenha estabelecimento estável em Portugal, o que importa é se os rendimentos são obtidos em Portugal. O CIRC prevê, que os rendimentos se consideram obtidos em território português quando imputáveis a estabelecimento estável aí situado ou, em certos casos, quando a fonte ou o devedor tem residência ou sede em Portugal.

Em muitos casos de atividade esporádica, pode concluir-se que não há estabelecimento estável e, portanto, a tributação em Portugal só se dará se a atividade for considerada “operada em território português” ou se houver remuneração de serviços “utilizados” em Portugal.

Se a empresa estrangeira tiver um estabelecimento estável em Portugal — mesmo que limitado — os lucros imputáveis a esse estabelecimento estão sujeitos a IRC em Portugal, com contabilidade organizada obrigatória.

Obrigações declarativas e retenções

Mesmo quando a empresa estrangeira não tem estabelecimento estável, em certas situações haverá obrigações declarativas ou retenções em Portugal. Por exemplo: quando uma entidade portuguesa paga rendimentos a uma empresa estrangeira sem residência fiscal em Portugal, essa entidade pode ter de entregar o modelo 30 à Autoridade Tributária portuguesa (AT).

Por outro lado, as entidades não residentes sem estabelecimento estável continuam sujeitas a IRC sobre os rendimentos obtidos em Portugal — com regras específicas.

Assim, mesmo que a atividade seja esporádica e sem estabelecimento estável, é importante verificar:

  • Qual a natureza dos rendimentos auferidos em Portugal.
  • Se a fonte de rendimentos ou pagamento está em Portugal.
  • Se há obrigações de retenção ou reporte à AT (por ex., modelo 30).
  • Se há convenção para evitar dupla tributação que possa alterar o tratamento.

Atividade esporádica – alguns “limiares” práticos

Embora não exista um limiar legal único em Portugal que defina automaticamente “atividade esporádica”, existem alguns indícios como a curta duração, a ausência de instalações permanentes, ou a simples presença de intervenções pontuais. Por exemplo, uma obra de construção com duração inferior a determinado período pode não gerar estabelecimento estável.

Em consequência, uma empresa estrangeira que preste um serviço singular ou pontual em Portugal, sem instalações, sem agentes permanentes, e sem exploração contínua, poderá estar na situação de atividade esporádica e, dependendo dos factos, não ficar sujeita a tributação em Portugal ou ficar sujeita a tributação mínima, mas deverá confirmar sempre as obrigações declarativas.

Exemplos práticos e riscos

Exemplo 1: Empresa estrangeira envia para Portugal um técnico para prestar consultoria durante uma semana, sem instalar escritório ou contratar pessoal local. É provável que não haja estabelecimento estável, logo a tributação portuguesa poderá não ser exigida.
Exemplo 2: Uma empresa estrangeira cria em Portugal um escritório, com pessoal local, contratos regulares, e presta serviços continuados. Aqui, muito provavelmente existe estabelecimento estável e haverá tributação de lucros imputáveis em Portugal.
Risco: Se a empresa considerar que a atividade é esporádica, mas, na realidade, tem elementos permanentes (agente dependente, instalações, duração longa), poderá a AT entender que existe estabelecimento estável e tributar como tal. É comum haver desajustes na interpretação da “esporadicidade” e a ausência de verificação ou reporte das obrigações pode gerar sanções ou correção futura, pelo que é importante acautelar o correto enquadramento.

Uma reflexão

Em suma, uma empresa estrangeira com atividade esporádica em Portugal deve avaliar cuidadosamente se existe ou não estabelecimento estável no território português — e, consequentemente, se está sujeita a IRC ou a outras obrigações fiscais em Portugal. Mesmo na ausência de estabelecimento estável, poderá haver tributação se os rendimentos forem “obtidos em território português” ou “utilizados” em território nacional. As obrigações de retenção e declaração também podem subsistir, mesmo em situações pontuais.

Dado o grau de complexidade e o facto de a “esporadicidade” não ter definição única, é altamente recomendável a consulta de assessoria fiscal especializada antes de assumir que não existem obrigações em Portugal.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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