Assinei um contrato que não li: posso anulá-lo?

O "Contencioso em Foco" é uma rubrica Caiado Guerreiro, que conta com a participação da partner Sandra Ferreira Dias — co-coordenadora da equipa de Contencioso e Arbitragem —, da advogada Inês de Azevedo Camilo e da advogada-estagiária Beatriz Costa, onde são esclarecidas dúvidas e questões desta área do Direito. O tema desta semana é "Assinei um contrato que não li: posso anulá-lo?".
Artigos 13/11/2025

Muitas pessoas já assinaram um contrato sem o ler atentamente, seja por confiança na contraparte, por pressa ou até por pressão, o que pode levar a que posteriormente sejam confrontados com cláusulas com as quais não concordariam se tivessem tido pleno conhecimento do que estavam a assinar.

Coloca-se, então, a questão de saber se será possível anular um contrato nestas circunstâncias?

A resposta, em regra, é negativa. A lei prevê que os contratos celebrados devem ser cumpridos pelas Partes que os celebram. Ao assinar um contrato, presume-se que o signatário conhece e concorda com o conteúdo do mesmo, ainda que não o tenha lido integralmente. Por esse motivo, a anulação posterior do contrato revela-se, em regra, difícil de obter. No entanto, existem situações em que a lei admite a anulação do contrato nestas circunstâncias.

Os casos mais comuns em que uma parte assina um contrato desconhecendo o seu conteúdo verificam-se quando há uma relação de especial confiança entre as Partes, o que pode levar o signatário a aligeirar os seus deveres de diligência por estar em erro ou dolo quanto ao conteúdo do clausulado; ou ainda quando se está perante a celebração de um contrato numa situação de urgência, manifestada pelo volume de negócios a tratar ou pela aproximação de um prazo, ou ainda, se a assinatura tiver ocorrido sob coação, isto é, mediante ameaça ou pressão de umas das partes, ou de terceiro, que viciou a vontade do signatário; bem como nos contratos de adesão, como é comum em contratos de consumo, com entidades bancárias, seguradoras, ou empresas e telecomunicações, em que o signatário é confrontado com cláusulas não negociadas individualmente, que são abusivas ou não foram previamente informadas.

Deste modo, verifica-se que a legislação portuguesa estabelece mecanismos que permitem a um indivíduo que não tenha lido o conteúdo de um contrato anular determinadas cláusulas, excluí-las do contrato, ou, em certos casos, anular integralmente o próprio contrato.

Cumpre, contudo, sublinhar que esses mecanismos de proteção da posição do contratante só se aplicam nas situações mencionadas, permanecendo sempre sobre este o dever de agir com diligência e de ler o conteúdo do contrato antes de se vincular.

Em matéria contratual, a confiança não dispensa a leitura, e a atenção ao detalhe é muitas vezes o que separa um problema evitável de um litígio inevitável.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

Áreas de pratica

  • Contencioso

Partilhar

  Agendar