Nos últimos anos, a crescente popularidade das dash cams – câmaras instaladas em veículos para registar imagens durante a condução – tem levantado diversas questões legais em Portugal, sobretudo no que respeita à proteção de dados pessoais, à privacidade e à admissibilidade de tais imagens como prova judicial.
O que são Dash Cams?
As dash cams são câmaras de videovigilância colocadas no interior de veículos automóveis com o objetivo de captar imagens da via pública. São frequentemente usadas como medida de segurança, tanto para dissuadir comportamentos de risco como para documentar eventuais acidentes ou incidentes.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD)entende que a utilização de dash cams para captação sistemática de imagens da via pública constitui uma violação do artigo 19.º da Lei n.º 58/2019, que assegura a execução do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) no ordenamento jurídico português. Esse artigo estipula que “As câmaras não podem incidir nas vias públicas, propriedades limítrofes ou outros locais que não sejam do domínio exclusivo do responsável, exceto no que seja estritamente necessário para cobrir os acessos ao imóvel.”
A posição da CNPD não é, contudo, isenta de controvérsia. O RGPD não se aplica a tratamentos de dados efetuados por uma pessoa singular no exercício de atividades exclusivamente pessoais ou domésticas. Nesta perspetiva, a mera gravação de imagens por um condutor, para uso pessoal (por exemplo, para se proteger em caso de acidente), poderá não configurar uma infração à legislação de proteção de dados – desde que essas imagens não sejam publicadas, partilhadas, ou usadas para fins comerciais.
A ilicitude surge, assim, não necessariamente da captação em si, mas sim do uso que venha a ser feito das imagens, nomeadamente se atentarem contra direitos fundamentais como a honra, a imagem ou a vida privada de terceiros.
Utilização como Prova Judicial
Uma das questões mais relevantes diz respeito à admissibilidade das imagens recolhidas por dash cams como meio de prova em tribunal. Embora não exista legislação específica sobre este tipo de dispositivos, a jurisprudência nacional tem, em certos casos, aceite a utilização de imagens captadas por particulares como prova, especialmente quando estejam em causa ilícitos criminais.
Os tribunais portugueses têm reconhecido que estas imagens podem ser valoradas judicialmente, desde que:
- Não envolvam dados sensíveis ou imagens de natureza íntima;
- A captação tenha ocorrido em locais públicos ou abertos ao público;
- Esteja salvaguardado o núcleo essencial da vida privada das pessoas envolvidas;
- A gravação seja proporcional, necessária e adequada à finalidade (por exemplo, prova de acidente ou de crime).
Trata-se, assim, de uma análise casuística, baseada num juízo de proporcionalidade entre o direito à privacidade e o interesse na descoberta da verdade material.
O direito à imagem faz parte do catálogo de direitos e liberdades de cada cidadão, sendo que a lei prevê que ninguém pode reproduzir, expor ou lançar para uso comercial o retrato de outra pessoa sem o seu consentimento. No entanto, é também a lei que prevê a desnecessidade do consentimento quando a reprodução da imagem venha enquadrada na de lugares públicos ou na de factos de interesse público, que hajam ocorrido publicamente.
A lei penal prevê pena de prisão ou multa em casos de gravação e utilização de imagens, sem consentimento, de palavras não destinadas ao público ou captação e utilização de fotografias ou filmagens de uma pessoa, mesmo em eventos onde tenha participado.
A ausência de um regime jurídico claro sobre a utilização de dash cams em Portugal gera incerteza para utilizadores e autoridades, levantando assim a necessidade de um debate legislativo que promova um equilíbrio justo entre os direitos à privacidade e à segurança. Inversamente, em países como a Alemanha, Reino Unido ou França, o uso de dash cams é permitido, ainda que sujeito a determinadas restrições legais e obrigações de informação e minimização de dados.
Assim, a admissibilidade da captação e utilização de imagens dependerá sempre da análise do caso concreto, sendo necessário ponderar, com base em critérios de proporcionalidade, os direitos fundamentais que se possam encontrar em conflito.
Enquanto não houver regulação específica, os utilizadores destes dispositivos deverão adotar uma postura cautelosa, limitando a gravação ao estritamente necessário, evitando a divulgação das imagens e garantindo, sempre que possível, a salvaguarda da privacidade de terceiros.
O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.