Ao mesmo tempo surgem novos desafios e incertezas que deverão ser ultrapassadas para haver mais benefícios do que desvantagens com a implementação dessas inovações tecnológicas. Antes de explicarmos o que são os smart contracts, é preciso perceber o que é a rede blockchain, já que é através dela que se constrói um smart contract.
O blockchain, de forma simples, é um sistema de banco de dados distribuído, operando como um processo ou livro de registo de transações/informações, feito de forma segura, imutável e eficiente. Em tradução livre, blockchain significa “cadeia de blocos”, já que há uma corrente de blocos que são organizados de forma linear, cronológica e conectada (daí o seu nome), onde cada um deles armazena determinados dados e informações, não podendo ser apagados ou alterados.
O blockchain funciona, de forma simplificada, da seguinte maneira:
- Criação de transações: o processo inicia-se com a criação de transações a partir da carteira (wallet) de um usuário, podendo ser qualquer tipo de registo de informação, como a transferência de uma criptomoeda, um contrato inteligente ou até mesmo o registo de uma propriedade;
- Agrupamento em Blocos: essas transações são agrupadas num bloco, sendo que cada um deles contém diversas transações e possui um tamanho limitado;
- Hashing do Bloco: antes de ser adicionado à blockchain, o bloco é submetido a um processo de hashing. Um hash nada mais é do que uma impressão digital ou identificador exclusivo – uma série de números e letras – que representa o conteúdo de um bloco, e qualquer modificação no conteúdo resultará em um hash completamente diferente;
- Validação e Algoritmos de Consenso: para além do processo de hashing, o bloco também deve ser validado por meio de algoritmos de consenso, que garantem a autenticidade das transações no bloco. O processo de validação/verificação conseguirá perceber quando um bloco não é legítimo, já que o hash deste não será igual aos registados.
- Adição à Cadeia: depois do bloco ser “hashado” e validado, ele é adicionado à cadeia de blocos já existente. Cada bloco possui uma referência ao bloco anterior, criando uma sequência contínua e cronológica. Ou seja, cada bloco contém um hash próprio e, ainda, o hash do bloco anterior, vinculando ambos os blocos e tornando o bloco adicionado imutável;
- Difusão da informação: a informação sobre novos blocos é propagada para toda a rede, com os objetivos de garantir que todos tenham uma cópia atualizada do blockchain, evitar divergências e manter a integridade do sistema.
Essa sequência de passos é repetida continuamente à medida que novas transações são criadas e adicionadas à blockchain. É através desse processo complexo que podem surgir os smart contracts.
Os Smart Contracts
Apesar da sua designação, nem todos os smart contracts são efetivamente contratos, conforme habitualmente os entendemos à luz do direito português. Na realidade, são programas de computador que são projetados para autonomizar, facilitar e/ou garantir a execução de acordos e contratos, podendo, ou não, ser enquadrados como um contrato, pelo menos numa aceção jurídica nacional.
Eles estão arquitetados, por exemplo, para representar a intenção das partes em criar alguma obrigação, como a compra e venda de um bem, o pagamento do preço ou ainda a atualização de um registo, ficando as suas operações registadas de forma segura e imutável, por estarem implementadas no sistema blockchain já acima explicado.
A sua admissibilidade em Portugal
Em Portugal para que algo seja classificado como um contrato, em sentido técnico-jurídico, é preciso que contenha determinados elementos essenciais e pressupostos relativos à sua formação, como a existência de uma proposta e de uma aceitação, e a concordância das partes em todas as cláusulas sobre as quais uma delas julgue ser necessária para o acordo. Caso o smart contract inclua todos os elementos e pressupostos exigidos para um determinado tipo contratual, então ele será classificado como um contrato desse tipo, ou, não se enquadrando em nenhum, ainda poderá ser classificado como um contrato atípico – não tipificado na lei – desde que haja os elementos essenciais de um negócio e esteja dentro do limite da autonomia privada das partes.
Por outro lado, mesmo que um smart contract não disponha de um ou mais elementos, e dessa forma não se classifique como um contrato à luz do direito português, não significa que ele seja necessariamente irrelevante do ponto de vista jurídico, por poder conter ações ou tarefas que tenham relevância para o Direito – a título de exemplo, a atualização de um registo ou a realização de uma obrigação contratual como o pagamento do preço de um bem.
Vantagens da sua implementação
Os smart contracts eliminam a necessidade de intermediários e processos manuais demorados, agilizando a execução de contratos e reduzindo o risco de erros humanos e de custos associados a certas burocracias.
Para além disso, como as transações e execuções de contratos são registadas em blocos no blockchain, o processo torna-se transparente e auditável, já que as partes envolvidas podem rastrear e verificar as ações realizadas. Também não podem ser alterados, o que gera um maior nível de segurança entre as partes.
A flexibilidade e personalização são outros benefícios dessa inovação, já que os smart contracts podem ser adaptados para atender a uma variedade de necessidades. Os termos e condições podem ser programados de acordo com os requisitos específicos de cada transação ou negócio.
Outra vantagem reside no facto de os smart contracts serem executados digitalmente, eliminando a necessidade de espaço físico para armazenar documentos e registos, para além de não ser necessário o deslocamento das partes em várias situações, como seria necessário com a adoção de contratos físicos e tradicionais.
Problemáticas e Desafios
A introdução dos smart contracts e do blockchain pode trazer alguns desafios. Um deles é justamente a irreversibilidade das ações presentes nessas tecnologias, por serem sistemas, como já exposto, imutáveis, o que pode ser problemático em caso de erro ou alteração das circunstâncias.
Para além desse problema, a programação de smart contracts requer um alto nível de precisão, uma vez que qualquer erro pode levar a resultados indesejados e até mesmo a vulnerabilidades de segurança.
Podem surgir também problemas de segurança jurídica. Por exemplo, no caso de um smart contract que possa ser efetivamente um contrato, habitualmente não está estabelecida qual a lei que as partes desejam aplicar ao mesmo, e atendendo à natureza eletrónica e deslocalizada das operações feitas através da internet, poderá não ser fácil determinar qual a lei aplicável ou ser aplicável uma lei que uma ou ambas as partes não pretendiam.
No entanto, à medida que a tecnologia blockchain e a programação de contratos inteligentes evoluem, é expectável que novas soluções sejam desenvolvidas para colmatar esses problemas, apesar de ainda não haver nenhuma legislação nacional exclusivamente feita para essas figuras, sendo atualmente regulados pela legislação geral do direito dos contratos e, ainda, por diplomas relativos à contratação eletrónica e de outras matérias que estejam associadas ao acordo ou negócio em causa.
A compreensão dessas inovações tecnológicas ainda é limitada para muitas pessoas, sendo dessa forma necessário investir em educação e conscientização para que a população compreenda o potencial e as limitações dessas tecnologias, sendo elas não o futuro, mas o presente em diversas situações e negócios ao redor do mundo.
Os smart contracts e a inteligência artificial, como alguns pensam, não irão substituir os advogados e afins. Na verdade, o trabalho e serviço feito por eles será fulcral para que os contratos inteligentes sejam celebrados e executados de maneira segura, de acordo com a lei e, ainda, tutelando os interesses dos seus clientes.
Para tal, os juristas e advogados que tenham por objetivo prestar aconselhamentos sobre essas novas inovações tecnológicas, deverão não só ter uma base jurídica fortemente consolidada, como ainda deverão ter ou requisitar a terceiros que tenham, conhecimentos no âmbito digital e/ou computacional relacionados ao blockchain, já que é através dele onde os smart contracts são construídos.
Pensamos que os smart contracts serão, de uma maneira geral, benéficos para o comércio e para o Direito, sendo que este último, como pôde-se notar nas últimas décadas, encontra-se em constante adaptação, devendo regular de forma pormenorizada essas novas inovações tecnológicas, não frustrando, assim, a expectativa dos seus cidadãos.
Concluindo, os smart contracts e o blockchain estão a transformar a forma como conduzimos os negócios e transações, trazendo benefícios substanciais, mas também exigindo um entendimento profundo e um esforço contínuo para resolver os desafios associados a essas inovações tecnológicas.
O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.