A vacinação contra a covid-19 não é obrigatória, mas apenas recomendada. Assim, coloca-se a questão de saber se é possível impor aos funcionários já atualmente empregados e/ou candidatos a novos empregos esta vacinação, e, bem assim, se existe fundamento legal para tal imposição.
Enquanto, por um lado, se pode alegar que a exigência de vacinação constituiria uma restrição inaceitável no acesso ao emprego, a questão torna-se ainda mais interessante se pensarmos que não estão apenas em causa direitos fundamentais do trabalhador/candidato que se recusa a ser vacinado, mas também os direitos inerentes aos restantes funcionários ou mesmo terceiros. Com efeito, o artigo 59.º, n.º 1, alínea c) da Constituição prevê expressamente que se constitui como direito fundamental do trabalhador, “a prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde”. Também o artigo 64.º do mesmo Diploma prevê direitos e deveres similares, como o direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover (n.º 1) ou o direito à melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho (n.º 2, al. b)) onde se insere, designadamente, a promoção de um ambiente de trabalho “imune” à covid-19. Embora se possa alegar que a apresentação de teste negativo é suficiente para promover o direito à saúde dos restantes funcionários, não é menos verdade que a realização destes testes implica não só um rastreamento contínuo, mas pode envolver – a título de exemplo – falsos negativos e, de uma forma geral, não se revela como um meio suficientemente apto para a prossecução da imunidade pretendida.
Por outro lado, o artigo 19.º, n.º 1 do Código do Trabalho prevê que o empregador “(…) não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação.” A lei ressalva então a possibilidade de o empregador exigir ao trabalhador/candidato a apresentação de testes ou exames médicos quando estes tenham como finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros, mediante fundamentação adequada por escrito (embora esta apenas seja fornecida ao médico que, por sua vez, apenas transmitirá ao potencial empregador se o candidato está ou não apto para desempenhar a atividade).
O artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho define o conceito de discriminação indireta como “ [a] disposição, critério ou prática aparentemente neutro [que] seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários.”
Não se vislumbra discussão quanto à imunidade e segurança do local de trabalho enquanto fim legítimo. Resta então determinar, tanto a nível de admissão ou permanência no emprego, como ao nível da discriminação indireta, se a vacinação é, enquanto meio para a segurança no trabalho, adequada e necessária. Naturalmente, esta questão afeta direitos fundamentais, pelo que qualquer decisão a tomar sobre esta matéria deve passar pela discussão e decisão da Assembleia da República ou do Governo mediante autorização legislativa, tal como prevê o artigo 165.º, n.º 1, alínea a) da Constituição.
Não obstante, a nível de permanência no emprego, a imposição da vacinação parece ser manifestamente excessiva. No fim de contas, a recusa de vacinação não constitui um fundamento legítimo de cessação do contrato de trabalho e muito dificilmente será suportável em tribunal. Entretanto, não obstante esta ausência de pronúncia legislativa, a vacinação pode constituir-se, na prática, como um critério de exclusão de candidato ao emprego. O potencial empregador estará sempre atento à imunidade ao coronavírus no local de trabalho, especialmente no que concerne a atividades incompatíveis com o regime do teletrabalho (e/ou naquelas em que pode haver contacto próximo com o público), pelo que se revela urgente uma pronúncia legislativa e subsequente fiscalização pela Autoridade para as Condições do Trabalho.