Uma decisão recente do Tribunal Constitucional (Acórdão do TC n.º 298/2019, de 15 de maio) reforçou as garantias dos contribuintes perante a Autoridade Tributária.
Em causa estava a não entrega de IVA, mas o que sobressai deste processo é o direito dos arguidos à não autoincriminação. Após condenação em 1ª instância pela prática de abuso de confiança fiscal, o arguido recorreu para a Relação que julgou o recurso improcedente. No âmbito do recurso foi arguida a sua nulidade e solicitou-se o esclarecimento de alguns pontos do acórdão recorrido.
A argumentação correu em volta do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, o direito ao silêncio, nomeadamente a prestação de informações ou a entrega de documentos autoincriminatórios. O Tribunal Constitucional reconheceu que este princípio não é absoluto, podendo ser legalmente restringido, no entanto, este não foi o caso. O arguido, em sede de inspeção tributária que decorreu durante o inquérito do processo-crime, acreditando estar obrigado por força dos deveres de colaboração em matéria tributária perante a AT e sob pena de lhe ser aplicada uma coima, entregou vários documentos e informações contabilísticas à Autoridade Tributária, sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente. Ou seja, foi forçado a disponibilizar informação que se transformou em instrumento da sua própria incriminação
Como refere o tribunal, emerge uma possibilidade de ligação dos procedimentos (o de inspeção tributária e o processo penal fiscal) que são regidos por princípios de sentidos contrários, por um lado o princípio da cooperação com a AT e por outro um princípio que se reflete no direito ao silêncio.
Confrontados os imperativos supra, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária no âmbito de inspeção tributária que corre termos em simultâneo com a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado, podem ser utilizados como prova no mesmo processo.
Assim, entende o TC que os documentos e informações obtidos pela AT no âmbito de uma inspeção tributária não podem ser utilizados contra o contribuinte em sede de processo-crime que corra termos em simultâneo