Posso levar o meu animal de estimação para um imóvel arrendado?

Esta pergunta não tem uma resposta clara, dependendo de diversos fatores como: foi estabelecido no contrato de arrendamento uma clausula proibitiva? O regulamento de condomínio estabelece que são proibidos animais? Estas respostas não são pacíficas.
Artigos 13/12/2023

A lei prevê no artigo 1067º-A do Código Civil que “Ninguém pode ser discriminado no acesso ao arrendamento em razão de sexo, ascendência ou origem étnica, língua, território de origem, nacionalidade, religião, crença, convicções políticas ou ideológicas, género, orientação sexual, idade ou deficiência.”, especificando que os anúncios de oferta de imóvel para arrendamento não podem conter qualquer forma de restrição, especificação ou preferência baseada em categorias discriminatórias.

É sabido que a proteção jurídica dos animais tem vindo a ser cada vez mais assegurada por virtude de leis especiais que regulam a matéria, nomeadamente o estatuto jurídico dos animais já se encontra em vigor, reconhecendo-os como “seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”, veja-se o artigo 201.º – B do Código Civil. Continua inclusive o mesmo diploma a consagrar um direito de indemnização por “desgosto ou sofrimento moral” pela perda de um animal em caso de lesão grave do mesmo.

No entanto, sendo o proprietário do imóvel o senhorio, poderá este dispor se aceita ou não animais de estimação?

Esta pergunta não tem uma resposta clara, dependendo de diversos fatores como: foi estabelecido no contrato de arrendamento uma clausula proibitiva? O regulamento de condomínio estabelece que são proibidos animais? Estas respostas não são pacíficas.

A primeira situação a verificar prende-se com o contrato de arrendamento. O contrato de arrendamento consiste num encontro bilateral de vontades, do senhorio e do arrendatário, sendo que o senhorio pode redigir o contrato de arrendamento nos termos que quiser, desde que respeite os limites da lei. O senhorio – proprietário do imóvel – pode ter preferência por alguém que não tenha animais de estimação, tendo a liberdade para, querendo, arrendar o imóvel a quem pretenda ter consigo um animal de companhia ou não. Ou seja, a estipulação de uma cláusula proibitiva não viola a lei.

Não existe na lei nenhuma norma que obste a que o senhorio faça constar do contrato de arrendamento uma cláusula de proibição de detenção de animal de companhia no imóvel, pelo que se recomenda a todos os arrendatários que sejam colocados nesta situação uma tentativa de negociação para a retirada da mesma, com a consequente autorização do senhorio.

Não obstante se falar numa liberdade de estipulação de clausula proibitiva, quando o imóvel arrendado estiver em edifício constituído em propriedade horizontal e tiver sido aprovado um regulamento do condomínio no qual se proíba a existência de animais de estimação, e o mesmo constar do título constitutivo da propriedade horizontal e seja registado, o senhorio tem legitimidade para impor uma cláusula desta natureza, avisando o arrendatário da existência de proibição pelo condomínio.

Acontece que, apesar de o regulamento de condomínio e o título constitutivo poderem regular tais limitações, o mesmo já não se dirá das deliberações da assembleia de condóminos ou do administrador, pois extravasam o seu âmbito de competência, uma vez que tais “deliberações que têm por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos, seja porque dizem respeito à propriedade exclusiva de cada condómino, seja porque representam uma ingerência no domínio ou administração exclusiva que qualquer proprietário tem sobre a sua própria fracção, são ineficazes” (cfr. Sentença de Julgado de Paz de 29-08-2011, processo nº 42/2011-JP).

Outrossim, poderá sempre considerar-se como exceção às limitações impostas pelo senhorio o caso de os arrendatários, a título de exemplo, serem detentores ou terem pessoas no agregado familiar detentoras de alguma deficiência que leve à necessidade de ter um animal de estimação, como o caso de cegueira e de autismo.

Tribunal da Relação e um Acórdão de 2016

Inclusive o Tribunal da Relação já considerou, num Acórdão de 2016, que em algumas situações a introdução de uma clausula proibitiva é inconstitucional e deveria ser retirada, não existindo, por esta razão, uma garantia absoluta que a existência de uma cláusula proibitiva não possa ser questionada e até afastada pelos Tribunais, citando “Por essa razão não deve o arrendatário, pese embora a existência de cláusula contratual proibitiva, ser compelido à retirada de um canídeo do locado quando se prove que, além de não ser fonte de qualquer prejuízo para o sossego, a salubridade ou a segurança dos restantes moradores e do locador, reveste importância no seio da família e no bom desenvolvimento de um filho que tem perturbações de ansiedade devendo, nestes casos, a referida cláusula considerar-se não escrita.”

Concluindo, poderemos estar presentes duas situações distintas: i) o contrato não tem uma cláusula proibitiva/ é omisso nesta matéria – neste caso, não pode o senhorio impor que o arrendatário retire um animal do imóvel; ii) o contrato tem cláusula proibitiva – o arrendatário não deverá levar para o imóvel um animal de estimação, uma vez que assinou um contrato que limitava o seu direito de o fazer, todavia aqui dependerá das circunstâncias a verificar no caso concreto. Como já vimos, os Tribunais já se pronunciaram em ambos os sentidos.

Esta questão ganha maiores contornos quando o imóvel é dado de arrendamento com recheio, uma vez que a presença dos animais de estimação poderá causar danos a este recheio. Nesta situação terá de ter presente que quaisquer danos que os animais de estimação causem aos móveis e restante recheio, podem levar à não devolução da caução prestada no início do contato.

Ademais, não basta a permissão do senhorio para se ser detentor de animais de estimação num imóvel, seja ele arrendado ou não, terá também de se verificar se reúne as condições para a habitação do mesmo, nomeadamente e tal como vertido no Decreto-Lei n. 314/2003, de 17 de Dezembro: “O alojamento de cães e gatos em prédios urbanos, rústicos ou mistos, fica sempre condicionado à existência de boas condições do mesmo e ausência de riscos hígio-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem.”

Para a observação destas condições dispõe a lei que num prédio urbano, por cada fogo, apenas podem coabitar três cães ou quatro gatos adultos por cada fogo, com exceção dos casos expressamente previstos. O objetivo da lei é zelar pelos direitos dos animais e de lhes oferecer condições dignas e adequadas à sua sobrevivência.

O Decreto-Lei nº 276/2001 de 17 de outubro impõe ainda aos detentores dos animais um dever especial de cuidado, “de forma a não pôr em causa os parâmetros de bem-estar, bem como de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e animais.”. Quer, desta forma, a lei impor um catálogo de princípios básicos para o bem-estar dos animais.

Todavia, a lei não zela apenas pelos direitos dos animais, existe também um enquadramento legal que visa salvaguardar as regras básicas de higiene, sossego e boa vizinhança, razão pela qual todos os inquilinos com animais de estimação têm de garantir as boas práticas de convivência.

Neste sentido, o Regulamento Geral do Ruído acrescenta na definição de ruído de vizinhança: “… coisa à sua guarda ou animal colocado sob a sua responsabilidade”, ditando que entre as 23 horas e as 7 horas, as autoridades possam tomar medidas para ordenar a cessação do ruído de vizinhança, sob pena de contra-ordenação ambiental, punível com coima.

Concluindo, se pretender arrendar um imóvel terá de garantir que não existe nenhuma cláusula proibitiva no respetivo contrato, caso contrário o seu senhorio tem legitimidade para impor a retirada do animal, exceto em situações especiais.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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