Podem rendimentos ilícitos ser tributados?

A controvérsia relativa à tributação de rendimentos de origem ilícita assenta na discussão entre a posição que defende que a tributação de tais rendimentos levaria à incoerência lógica de o Estado beneficiar do lucro derivado de atividades que ele próprio sanciona e aqueloutra que entende que a não tributação dos referidos rendimentos resultaria em proveitos não só da atividade ilícita, como da falta de tributação.
Artigos 18/03/2024

Analisando tanto o artigo 10.º da Lei Geral Tributária, como o artigo 1.º do Código do Imposto Sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS) e do Código do Imposto Sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC) a resposta, num primeiro momento, parece fornecida.

De acordo com estes artigos, o carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão de bens não obsta à sua tributação quando esses atos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis.

A supracitada irrelevância da origem dos rendimentos é consequência do princípio da neutralidade axiológica dos impostos, sendo o único fator relevante o preenchimento ou não da norma de incidência do imposto.

Surge então a questão relativa à sujeição, ou não, de todos os rendimentos derivados de práticas ilícitas a tributação.

O tema tem sido cada vez mais alvo de debate a propósito de investigações mediáticas, em que é discutida a obrigatoriedade ou não da declaração de rendimentos alegadamente provenientes de atividades ilícitas como a corrupção. A resposta assume a maior importância, uma vez que caso se considere que existe a referida obrigatoriedade e a declaração dos referidos rendimentos não tenha sido feita, se verifica o preenchimento de outro tipo penal, o da fraude fiscal, prevista no artigo 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

A ausência de uma Categoria

Um dos argumentos invocados a favor da não obrigatoriedade de declaração dos rendimentos de proveniência ilícita é o de não serem enquadráveis em quaisquer das categorias de rendimentos previstas no artigo 1.º do Código de IRS, o que resultaria na inexistência de qualquer crime de fraude fiscal por não declaração de rendimentos de proveniência ilícita.

De acordo com esta tese, a existirem os referidos rendimentos e não tendo sido estes declarados, a consequência seria antes a aplicação do regime de perda de bens a favor do Estado, constante da Lei n.º 5/2002.

No âmbito de aplicação da referida lei, constante do artigo 1.º, encontram-se crimes como o recebimento ou oferta indevidos de vantagem, a corrupção ativa ou passiva, o peculato, a participação económica em negócio, o branqueamento de capitais, de entre outros.

Já a corrente doutrinária oposta defende que existindo uma obrigação de declaração de rendimentos ilícitos, estes são potencialmente enquadráveis na Categoria G – a de Incrementos Patrimoniais – e que o não cumprimento desta obrigação consubstancia o crime de fraude fiscal.

Independentemente da posição adotada relativamente ao enquadramento de rendimentos ilícitos, os deveres de colaboração e informação a que todos os contribuintes estão sujeitos perante a Autoridade Tributária, não devem implicar com o seu direito à não-autoincriminação, uma vez que as suas declarações de rendimentos não constituem um meio de prova admissível de qualquer crime alegadamente cometido em primeiro lugar.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

Autores

Áreas de pratica

  • Contencioso
  • Direito Fiscal

Partilhar