O Novo Estatuto da Ordem dos Médicos

As modificações introduzidas inserem-se num contexto de reformas legislativas dos Estatutos das Ordens Profissionais constantes no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Artigos 12/03/2024

A Lei n.º 9/2024, de 19 de janeiro, procede à terceira revisão do Estatuto da Ordem dos Médicos, introduzindo modificações que incidem diretamente sobre as competências, autonomia e independência da Ordem dos Médicos, bem como sobre o papel que os médicos desempenham contemporaneamente. Atentas as modificações em causa, o novo Estatuto da Ordem dos Médicos requer a particular atenção daqueles que exercem a profissão médica.

As modificações introduzidas inserem-se num contexto de reformas legislativas dos Estatutos das Ordens Profissionais constantes no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), visando as mesmas, inter alia, reduzir os entraves de acesso às profissões reguladas por Ordens Profissionais e combater a discriminação socioeconómica no acesso das novas gerações a essas profissões.

Uma realidade renovada para a profissão médica

Com a nova redação, o Estatuto da Ordem dos Médicos passa a enunciar, expressamente, os atos próprios dos médicos, no seu Artigo 96.º-A, número 1, englobando o exercício em exclusivo da atividade diagnóstica, prognóstica, de vigilância, de investigação, de perícias médico-legais, de codificação clínica, de auditoria clínica, de prescrição e execução de medidas terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas, de técnicas médicas, cirúrgicas e de reabilitação, de promoção da saúde e prevenção da doença em todas as suas dimensões, designadamente física, mental e social das pessoas, grupos populacionais ou comunidades, no respeito pelos valores deontológicos e das leges artis da profissão médica.

Paralelamente, o Estatuto da Ordem dos Médicos passa a permitir a prática dos atos próprios dos médicos por pessoas não inscritas na Ordem dos Médicos, desde que legalmente autorizadas para o efeito, conforme prescreve o seu Artigo 96.º-A, número 4. Esta permissão reflete uma propensão observada em modificações similares nos Estatutos de outras Ordens Profissionais, levantando relevantes questões sobre como será concretizada, empiricamente, a autorização para a prática de atos específicos dos médicos.

Destaca-se, ademais, a possibilidade de os médicos constituírem ou ingressarem como sócios em sociedades de profissionais médicos ou em sociedades multidisciplinares, como previsto no Artigo 116.º, número 1, da Lei n.º 9/2024, de 19 de janeiro. Estas sociedades carecem de registo na Ordem dos Médicos e, por conseguinte, gozam dos direitos e sujeitam-se aos deveres constantes do novo Estatuto, garantindo-se à Ordem dos Médicos, desta feita, o exercício das suas funções de fiscalização e ação disciplinar sobre as ditas sociedades.

Adicionalmente, o Estatuto da Ordem dos Médicos implementa a incorporação de um “Conselho de Supervisão” no rol dos órgãos superiores da Ordem dos Médicos, conforme estipulado no seu Artigo 61.  Este órgão assumirá competências cruciais, vertidas no Artigo 63 da Lei n.º 9/2024, de 19 de janeiro, incluindo-se, entre estas, a supervisão da legalidade e da conformidade estatutária e regulamentar da atividade exercida pelos diversos órgãos da Ordem. No referente à composição do Conselho de Supervisão, apenas 40% dos seus membros serão médicos com inscrição em vigor.

A par do Conselho de Supervisão, o Estatuto da Ordem dos Médicos estabelece o “Provedor dos destinatários dos serviços”, uma personalidade independente e não inscrita na Ordem dos Médicos, que assumirá a função de defender os interesses dos destinatários dos serviços profissionais prestados pelos membros da Ordem, como previsto no seu Artigo 64.º-A. Compete-lhe, entre o mais, analisar as queixas apresentadas pelos destinatários dos serviços médicos e emitir recomendações para a sua resolução, bem como para o aperfeiçoamento da Ordem dos Médicos.

O caminho percorrido

O novo Estatuto da Ordem dos Médicos resulta de um longo e pedregoso caminho, tendo o decreto que altera o Estatuto sido vetado pelo Presidente da República. Na carta dirigida ao Presidente da Assembleia da República, o Presidente da República concluiu que o Estatuto não assegura a autonomia da Ordem dos Médicos, da mesma feita que afasta a Ordem dos Médicos de uma intervenção em domínios de natureza puramente técnica, como o reconhecimento de idoneidade e respetiva capacidade formativa dos serviços, bem como a definição dos conteúdos formativos de cada especialidade. Ademais, o Presidente da República manifestou preocupações quanto à possibilidade de as modificações introduzidas no Estatuto poderem comprometer a qualidade da formação dos profissionais do futuro e, consequentemente, a qualidade dos cuidados médicos e a própria estabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Não obstante as preocupações demonstradas, a Assembleia da República confirmou o decreto, o que conduziu à sua promulgação pelo Presidente da República.

Em tese, a revisão do Estatuto da Ordem dos Médicos almejou instaurar um equilíbrio entre a flexibilidade no acesso à profissão médica e o reforço da supervisão da atividade exercida pelos profissionais, seja em prática individual, seja em sociedades multidisciplinares. A realidade, contudo, poderá figurar-se mais desafiadora, havendo dúvidas sobre se as modificações inseridas no Estatuto da Ordem dos Médicos irão, a médio-longo prazo, beneficiar ou prejudicar a qualidade do serviço médico prestado em Portugal.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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  • Direito da Saúde

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