Marketplaces: uma teia de negócio

Nestas trocas comerciais tem de imperar o dever de informação, a garantia e o fornecimento dos vários produtos comprados pelo consumidor, sempre com a segurança do tráfego comercial assegurada.
Artigos 14/12/2023

Passou a Black Friday, estamos agora no Natal e seguem-se os saldos. Uma época de grande consumo e onde há duas realidades distintas entre as partes envolvidas: o consumidor pretende gastar pouco, o comerciante pretende faturar muito.

Uma das coisas que vem facilitar a compra e a venda são os chamados Marketplaces, à luz do Decreto-Lei n.º 84/2021, que regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo as Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770.

Quem nunca entrou numa loja online ou até mesmo física, e se apercebeu ou foi abordado para a possibilidade de adquirir produtos não vendidos diretamente pelo comerciante com quem inicialmente pensou encetar negócio, mas por um terceiro?

Esta é uma realidade cada vez mais frequente em Portugal, onde os vários comerciantes de referência nacional aproveitam este crédito já adquirido junto dos consumidores para veicular também outros comerciantes não tão conhecidos, muitas das vezes externos ao nosso mercado, e com outra abrangência de produtos. É um negócio win-win para o consumidor e comerciante que, como tudo, tem os seus prós e contras. Vejamos:

Consumidor

Os prós:

  • Vê uma maior panóplia de produtos, muitos deles que nem são encontrados no comerciante a que se dirigiu ou no mercado nacional;
  • São praticados diferentes preços, muitas das vezes mais baixos que o valor praticado pelo próprio comerciante (se este também tiver o produto) ou o valor de referência nacional;
  • É dada uma segurança extra ao ter um intermediário a operar no negócio.

Os contras:

  • O tempo de espera após a aquisição pelo produto é muitas das vezes superior, até pelo facto do terceiro, em maioria, operar fora do território nacional, além dos métodos de entrega serem díspares;
  • A burocracia inerente pelo facto de haver um intermediário.

Comerciante

Os prós:

  • O arrebatar de mais clientela que inicialmente não compraria aquele tipo de produto ali ou até o manter da clientela já corrente que apesar de não encontrar o produto que habitualmente costuma adquirir com o comerciante, consegue-o através de um terceiro;
  • O negócio interno, naturalmente, entre o comerciante e os múltiplos terceiros;
  • O diversificar de operações comerciais.

Os contras:

  • A possível má publicidade que um terceiro possa dar ao comerciante pela falha de fornecimento ou a fraca qualidade dos produtos, ou mesmo outra razão exterior ao negócio em si;
  • O crescimento desmedido face à capacidade de compliance e gestão de diversas realidades comerciais, bem como das inúmeras relações definidas com terceiros de todas as origens.

Olhando então ao Decreto-Lei n.º 84/2021, interpretando o artigo 2.º e 3.º, percebemos que aqui só são tidas em conta as relações comerciais entre o consumidor e um comerciante profissional, ficando por isso excluídos todos os exemplos em que a aquisição de bens, conteúdos e serviços digitais seja feita com uma parte que não é profissional. Depois deste enquadramento, chegamos aos prestadores de mercado em linha que são comerciantes profissionais que fornecem um meio eletrónico para a celebração de contratos à distância com outros terceiros profissionais, criando os então conhecidos Marketplaces.

O que é fundamental para o sucesso destas operações? O que impera no Direito do Consumo, o dever de informação destacado no artigo 45.º. É assim necessário que o comerciante profissional que é um prestador de mercado em linha informe o consumidor de que o mesmo está a celebrar o contrato com um terceiro, indicado sua identidade e qualidade profissional, bem como os contactos deste. Ainda assim, a alínea c) do n. º1 deste artigo realça um ponto extremamente importante para quem venha a fazer uso deste mecanismo de comércio, que é o facto de nem todos os terceiros presentes no Marketplace terem de ser profissionais, o que leva à não aplicação dos direitos previstos no diploma.

Dito isto, vimos atrás ao artigo 44.º, onde percebemos que o comerciante profissional que é prestador, enquanto parceiro contratual dos terceiros profissionais que operam no seu mercado em linha, é sempre responsável solidariamente perante o consumidor por aquilo que seja comercializado por estes últimos. O comerciante profissional goza, contudo, do direito de regresso perante os terceiros, tal como previsto no artigo 46º. Tudo isto, nunca dispensa, naturalmente, a responsabilidade directa do produtor dos bens, conteúdos e serviços digitais que tenham sido adquiridos, tal como dispõe o artigo 40º.

No universo das soluções jurídicas do nosso ordenamento, mais há a completar, naturalmente, mas ao lado do Decreto-Lei n.º 84/2021, até agora abordado, é também sobretudo importante olharmos ao Decreto-Lei n.º 24/2014, atendendo que o mesmo se foca nos contratos celebrados à distância – em grande parte, naquilo que estes devem conter -, tópico central deste tema que tratamos, e que tem como um dos seus baluartes o direito de livre resolução – artigos 10º e seguintes -, muitas das vezes, também apelidado como o “direito ao arrependimento”.

Com isto, coloquemos um exemplo em prática: A, consumidor, consulta a loja online de B, comerciante profissional, solicitando informações no canto para o apoio ao cliente, sobre um determinado produto que visualizou. Desta feita, B esclarece que o produto é vendido por C, um terceiro profissional, sendo necessário celebrar um contrato de compra e venda à distância, explicando as condições aplicadas ao mesmo. A questiona então como pode exercer a garantia ao longo dos três anos ou mesmo o que pode fazer caso se arrependa, visto que não está a visualizar o produto fisicamente. B responde que A pode sempre, em primeiro, resolver o contrato livremente durante 14 dias após a receção do produto, e, em segundo, se não for essa a sua intenção e pretender mantê-lo, qualquer situação relacionada com a garantia, pode sempre exercê-la durante 3 anos consigo ou mesmo com C, ou até dirigir-se diretamente a D, o produtor do produto adquirido.

É assim possível compreender que se cria então uma teia naquilo que é a garantia e fornecimento dos vários produtos em causa, dando segurança ao tráfego comercial, da parte mais frágil que é o consumidor – que possui um défice de informação e onde a assimetria da mesma, num mercado cada vez mais diverso, competitivo e especializado, torna a escolha mais difícil – à parte mais preponderante que é o comerciante – que detém um maior domínio técnico dos produtos, uma capacidade de recursos financeiros mais robusta e também uma organização humana superior, mais capaz de solucionar as problemáticas em mão.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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Áreas de pratica

  • Direito do Consumo

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