Jogadores formados localmente e o direito da união europeia

Em 1995, a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão Bosman transformou, para sempre, o sistema de transferências no futebol. Em 2023, poderá surgir uma nova decisão paradigmática, com a regra relativa aos jogadores formados localmente a ser considerada incompatível com o Direito da União Europeia.
Artigos 30/03/2023

Em 1995, a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Acórdão Bosman transformou, para sempre, o sistema de transferências no futebol. Este caso referia-se à aplicabilidade do que é o atual artigo 45 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), relativo à livre circulação de trabalhadores, aos futebolistas profissionais.

Além disso, o caso Bosman teve repercussões significativas no que se entende por cláusulas de nacionalidade, uma vez que durante este julgamento foi alegado que a existência de um limite máximo de jogadores estrangeiros no plantel de um clube restringia, claramente, a sua liberdade de circulação, dado que estes ficariam impedidos de assinar novos contratos com clubes que já tivessem atingido o limite de estrangeiros.

Na época 2008-2009, a UEFA estabeleceu uma nova regra, a dos jogadores formados localmente, exigindo-se que os clubes de futebol incluam pelo menos oito jogadores, no seu plantel de 25, com esta condição. Tais jogadores serão aqueles registados quer pelo clube quer por um clube pertencente à mesma federação, durante pelo menos três épocas desportivas, entre os seus 15 e 21 anos de idade, independentemente da sua nacionalidade.

À data, a regra dos jogadores formados localmente está a ser analisada pelo Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas, podendo existir nova incompatibilidade com a liberdade de circulação de trabalhadores presente no artigo 45 do TFUE. No entanto, para esclarecer se a obrigatoriedade de incluir jogadores formados localmente num plantel constitui uma violação do Direito da União Europeia, o Tribunal acima referido remeteu para o TJUE, a título de reenvio prejudicial, a questão de saber se tal restrição é necessária e proporcional, tendo ou não algum fundamento.

Entretanto, já foram publicadas as conclusões do Advogado Geral, no processo C-680/21, merecendo a nossa especial atenção.

Em primeiro lugar, o Advogado Geral questionou-se se a restrição à liberdade de circulação imposta aos futebolistas profissionais se justificava nalgum interesse prevalecente. De facto, há duas razões, consideradas legítimas, para a existência desta regra, nomeadamente:

** Incentivar a formação e o recrutamento de jovens jogadores de futebol;

** Melhorar o equilíbrio competitivo entre equipas, preservando a igualdade e a incerteza de resultados.

Posteriormente, foi debatido se a regra do jogador formado localmente é adequada a alcançar tais objetivos. A este respeito, o Advogado Geral considerou que definição de um jogador formado localmente torna a norma incoerente.

No que se refere a incentivar a formação e o recrutamento de jovens jogadores de futebol, dado que um jogador formado localmente não tem, necessariamente, de ser treinado pelo próprio clube, é possível que este se limite a comprar jogadores com esta condição, frustrando, assim, o objetivo.

Por exemplo, grandes clubes de futebol, como o Manchester City e o Paris Saint-Germain, podem simplesmente adquirir os jogadores necessários para completar a exigência dos jogadores formados localmente, sem nunca chegarem a treinar e desenvolver atletas.

Deste modo, embora a formação e o recrutamento de jovens jogadores de futebol seja um objetivo apto a justificar a regra, não parece razoável estender a definição de jogador formado localmente a futebolistas fora do clube em questão, mas dentro da mesma federação.

A mesma lógica aplica-se ao equilíbrio competitivo entre equipas, já que, uma vez mais, os clubes com maiores capacidades financeiras, necessitando de cumprir a exigência dos jogadores formados localmente, podem adquirir os atletas mais talentosos que preencham esta condição de outros clubes, afetando a igualdade competitiva.

Por esta razão, é bastante relevante a distinção entre jogadores desenvolvidos pelo clube e aqueles desenvolvidos por clubes da mesma federação. É do entendimento do Advogado Geral que uma definição de jogador formado localmente que inclua atletas para além daqueles formados no clube em questão, resulta na incoerência de todo o sistema, acabando por existir uma incoerência e desadequação face ao fim pretendido.

Em conclusão, o Advogado Geral considerou que as regras relativas a jogadores formados localmente são parcialmente incompatíveis com o Direito da União Europeia, até que esta definição seja alterada, passando a incluir apenas aqueles jogadores formados e recrutados pelo próprio clube.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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