Apreensão de correio eletrónico: emails lidos e por ler

Com a pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de não existir qualquer diferença entre emails já lidos ou não lidos, os arguidos cujos emails foram apreendidos sem autorização de um juiz de instrução, mesmo que já tivessem sido lidos à altura da apreensão, podem requerer a nulidade da prova adquirida dessa forma e beneficiar da orientação determinada pelo Supremo.
Artigos 13/11/2023

A “apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante” regulada pelo artigo 17º da Lei nº 109/2009 – Lei do Cibercrime – foi sempre controversa, nomeadamente quanto à necessidade ou não de distinguir entre correio eletrónico fechado ou aberto.

A necessidade desta distinção e consequente aplicação ou afastamento do artigo 17º da Lei do Cibercrime era uma questão muito relevante na medida em que tal norma determina a aplicação do regime do artigo 179º do Código Processo Penal, ou seja, a necessária autorização de um juiz de instrução sob pena de a prova ser considerada nula. Fundamenta-se esta necessidade de prévia autorização judicial no artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, designadamente na inviolabilidade da correspondência.

O conceito de correspondência na génese do artigo 34º da Constituição e no qual se baseia o artigo 179º do Código Processo Penal é o conceito tradicional, de um envelope selado, daí a sua aplicação no meio tecnológico, concretamente a emails já lidos, suscitar algumas dúvidas quanto à potencial restrição de um direito fundamental, geradora do necessário controlo do juiz de instrução.

Era então crucial saber se o artigo 17º da Lei do Cibercrime se aplica(va) apenas ao correio eletrónico ainda não lido ou se, pelo contrário, não existia qualquer diferença entre os emails já terem sido ou não lidos para que o Ministério Público não os pudesse apreender sem a autorização de um juiz de instrução.

Após inúmeras decisões dos tribunais portugueses no sentido de esta autorização não ser necessária quando se tratasse de emails já lidos pelo destinatário, por estes se tratarem apenas de documentos e outras decisões no sentido contrário, o Supremo Tribunal de Justiça veio decidir esta questão mediante um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.

Qual foi a decisão do Supremo Tribunal de Justiça?

No Acórdão em causa, de 11 de setembro deste ano, os Juízes Conselheiros que constituem as Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça determinaram que “distinção entre mensagens abertas e fechadas é, neste âmbito, em bom rigor, artificial e falível”. Neste sentido, a intervenção do juiz de instrução, como juiz garante dos direitos, liberdades e garantias (neste caso do direito fundamental à inviolabilidade da correspondência) foi considerada sempre necessária, independentemente de os emails já terem sido ou não lidos pelo seu destinatário.

Quais são as consequências?

Um acórdão uniformizador de jurisprudência tem, como o próprio nome indica, a função de determinar uma solução constante para uma questão em que os tribunais de instância inferior tenham divergido.

Estes tribunais não ficam formalmente vinculados à decisão agora tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça. No entanto, caso decidam em sentido contrário ao disposto no acórdão de uniformização de jurisprudência, a parte vencida no processo passa a ter sempre o direito a interpor recurso, precisamente com esse fundamento.

Desta forma, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência persuadem os tribunais de 1ª Instância e os Tribunais da Relação a decidirem num certo sentido, dissipando as dúvidas e contribuindo para a segurança jurídica.

Neste caso em concreto, o presente acórdão de uniformização de jurisprudência pode determinar a nulidade de toda a prova adquirida mediante a apreensão de emails já lidos sem a autorização prévia de um juiz de instrução, quer nos casos futuros, quer nos que estão ainda a decorrer.

Com a pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de não existir qualquer diferença entre emails já lidos ou não lidos, os arguidos cujos emails foram apreendidos sem autorização de um juiz de instrução, mesmo que já tivessem sido lidos à altura da apreensão, podem requerer a nulidade da prova adquirida dessa forma e beneficiar da orientação determinada pelo Supremo.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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