A chegada das “Class Actions” a Portugal

No passado mês de dezembro Portugal transpôs a Diretiva (UE) 2020/1828 relativa às Ações Coletivas para proteção dos interesses dos consumidores.
Artigos 02/01/2024

No passado mês de dezembro Portugal transpôs a Diretiva (UE) 2020/1828 relativa às Ações Coletivas para proteção dos interesses dos consumidores.

A Ação Popular é reconhecida no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa como sendo uma forma de legitimidade ativa dos cidadãos – individualmente considerados ou através de associações – perante os tribunais, para a defesa de interesses difusos.

Define a Lei que são titulares do direito de Ação Popular: quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras de interesses difusos, bem como, as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares os residentes na área da respetiva circunscrição.

Não existe uma enumeração categórica dos bens jurídicos difusos que podem ser tutelados através do recurso à Ação Popular, referindo especificamente a Constituição da República Portuguesa: a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural.

Até então, era a Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, que regia o Direito de Participação Procedimental e de Ação Popular em Portugal. Este era configurado como um mecanismo processual de Ação Coletiva a nível nacional, que visava a proteção de diversos interesses, entre eles, o relativo ao consumo de bens e de serviços.

Não obstante, o atual Decreto-Lei n.º 114-A/2023, de 05 de dezembro, fruto da transposição da Diretiva, vem trazer para o ordenamento português as Ações Coletivas em sentido próprio, à semelhança do que já existia em outras jurisdições.

Este novo Decreto-Lei visa garantir a existência, a nível da União Europeia e no âmbito nacional de, pelo menos, um mecanismo processual de Ação Coletiva eficaz e eficiente para efeitos de obtenção de medidas inibitórias destinadas a fazer cessar, identificar ou proibir uma prática ilícita de um profissional e de medidas de reparação, designadamente através de indemnização, reembolso do valor pago, redução do preço, reparação do bem ou rescisão do contrato, à disposição dos consumidores em todos os Estados-Membros.

Para além do que já estava estabelecido na Lei anterior, passaram a prever-se requisitos relacionados com a independência das associações de consumidores, bem como, com o financiamento deste tipo de ações por terceiros, para que estas possam ter legitimidade para propor uma Ação Popular (artigo 6.º).

Nesse sentido, têm agora as associações que proponham este tipo de ações de disponibilizar ao Tribunal o acordo de financiamento, bem como, uma síntese financeira independente e isenta, que contenha a enumeração das fontes de financiamento utilizadas que permitem interpor a Ação Coletiva em causa, em nome e em representação de uma coletividade de cidadãos (artigo 10.º).

Por outro lado, continua a manter-se o mecanismo de autoexclusão (o denominado, regime de opt-out), pelo que se presume que todos os cidadãos que sejam titulares do interesse em disputa numa Ação Popular pretendem ser representados na mesma (sem necessidade do seu consentimento prévio) e que ficam vinculados à decisão final proferida, a não ser que expressamente indiquem o contrário. Não obstante, todos aqueles que não tenham a sua residência habitual em Portugal à data da propositura da Ação Coletiva, terão de manifestar a sua vontade em ser representados na mesma (artigo 12.º).

Nestes termos, caberá à Direção-Geral do Consumidor divulgar ao público, através da sua página na Internet, a lista das entidades qualificadas para o efeito de propositura de Ações Coletivas transnacionais, bem como, as informações relativas às ações em curso e concluídas junto dos Tribunais nacionais (artigo 20.º).

De facto, a replicação deste tipo de ações em diversos países, bem como, o aumento do financiamento de litígios por terceiros, tem tornado cada vez mais frequente o recurso a Ações Coletivas em Portugal.

A transposição desta Diretiva vem agora, ao prever a possibilidade de existirem Ações Coletivas transfronteiriças e mantendo o mecanismo de autoexclusão, tornar Portugal um mercado ainda mais interessante e adequado à propositura de Ações Coletivas, que constituem uma litigância que se demonstra cada vez mais exigente.


O conteúdo desta informação não constitui aconselhamento jurídico e não deve ser invocado nesse sentido. Aconselhamento específico deve ser procurado sobre as circunstâncias concretas do caso. Se tiver alguma dúvida sobre uma questão de direito Português, não hesite em contactar-nos.

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